De início preparadora, depois fabricante, a marca italiana
transformou pacatos Fiats e fez um interessante esportivo V8
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: Bonhams & Butterfields, RM Auctions e divulgação
A Societa Italiana Applicazioni Techniche Auto-Aviatorie (Siata) foi fundada em 1926 por Giorgio Ambrosini na cidade de Turim, no Piemonte, Itália, para produzir acessórios e efetuar modificações mecânicas em automóveis como os da Fiat. Compressores, conjuntos de carburadores, conversões para válvulas no cabeçote — chamadas de Siata Super Testa — e câmbios com maior número de marchas eram alguns dos itens que a Siata oferecia para quem quisesse levar seu Fiat a competições.
O motor do Fiat Balilla, que saía de fábrica com potência de apenas 22 cv, chegava a 48 após todo o trabalho da empresa. Em 1936 ela criava uma carroceria conversível para outro pequeno Fiat, o 500 Topolino. E, como aconteceu e acontece com muitas empresas do gênero, a preparadora de Ambrosini interessou-se pela construção de seu próprio carro.
Denominado Amica, ele era concluído em 1939. A mecânica do Topolino, bastante preparada, era aplicada a um chassi tubular com carroceria aberta. Ele logo chegou às competições: no campeonato Sport Nationale, o pequeno modelo de 27 cv alcançava interessantes 130 km/h. Uma versão com carroceria aerodinâmica em alumínio também foi construída, pouco antes do início da Segunda Guerra Mundial, durante a qual a fábrica foi destruída por bombardeios.
Depois da tentativa em 1939, a Siata colocava no mercado o novo Amica,
um conversível com motor de Fiat Topolino e carroceria desenhada por Bertone
Ao fim do conflito, em 1945, com a economia italiana em recessão, a empresa lançou-se a outras atividades: fabricar um pequeno motor auxiliar (o Cucciolo) para aplicação a bicicletas, do qual foram produzidos mais de 100 mil exemplares, e um utilitário leve, o Trasformazioni. Aos poucos a fábrica foi reconstruída no mesmo lugar, dobrando o tamanho das instalações, e a Siata retomou o mercado de preparação. Como a Fiat estava para lançar um motor com válvulas no cabeçote para a versão 500 B do Topolino, que tornaria sem sentido a aplicação do Super Testa, o projeto de seu próprio automóvel ganhou força.
O novo Amica era apresentado em 1949 e anunciado como “o pequeno carro de grande luxo”. Ainda derivado Topolino, o conversível de linhas simples e arredondadas tinha a carroceria desenhada pelo estúdio Bertone, para-brisa bipartido e alavanca de câmbio na coluna de direção. O motor podia ser o original do 500 C ou um de 750 cm³ reduzido do Fiat 1100 (uma evolução do Balilla), para enquadrar o carro nessa classe de cilindrada em corridas, nas quais chegava perto de 50 cv. No mesmo ano a razão social da empresa era alterada para Società Italiana Auto Trasformazioni Accessori, mantendo-se a sigla.
Anunciado “para o grã-turismo veloz”, o Daina vinha em versões cupê e aberta;
oferecia motores de até 1,8 litro e câmbio de cinco marchas, então muito raro
Já no ano seguinte aparecia um Siata pouco maior (3,86 metros), o Daina, oferecido como cupê e conversível, este chamado de Trasformabile. Desenvolvido com base no Fiat 1400, o “carro para um grã-turismo veloz” — como a fábrica o anunciava — tinha dois lugares mais o espaço para um só ocupante, carroceria construída pela Farina (que só em 1961 se tornaria Pininfarina), para-brisa inteiriço e a cabine próxima do eixo traseiro. O incomum recurso do câmbio de cinco marchas (opcional), com quinta longa, permitia cruzar as estradas em baixa rotação. A velocidade máxima declarada era de 150 km/h. O Daina foi oferecido ainda com motor ampliado para 1,8 litro e 70 cv — como o Sport Coupé branco das fotos, leiloado meses atrás pela empresa RM Auctions.
O Fiat 1400 foi ponto de partida também para o Grand Sport, disponível como cupê (com simplificações como janelas laterais de plástico) ou modelo aberto, de perfil baixo e alongado, para-brisa reduzido e distância entre eixos de 2,44 metros. O chassi Fiat recebia uma carroceria de alumínio, enquanto o motor de 1,4 litro era preparado com cabeçote Siata e dois carburadores Weber para elevar a potência de 60 para 72 cv. O Grand Sport venceu várias provas em sua categoria, como em Sebring, Palm Springs e Vero Beach, nos Estados Unidos. Para outro perfil de compradores, um roadster muito parecido com o MG TD inglês foi oferecido com base no mesmo 1400.
Dois litros, oito cilindros
Com o lançamento em 1950 do Fiat Otto Vu, carro esporte que trazia o único motor V8 da história da marca, a Siata passava a desenvolver seu 208-S, lançado com sensação no Salão de Genebra de 1952. O projeto era de Rudolf Hruska, que havia trabalhado na Porsche — então um escritório de projetos — antes da guerra e colaborado com Carlo Abarth no projeto do carro de corridas da Cisitalia.
O motor V8 da Fiat, preparado para até 132 cv, trazia esportividade ao Siata 208-S;
seu chassi tubular exclusivo tinha suspensão independente nas quatro rodas
A Fiat produziu menos de 200 motores V8, dos quais 114 equiparam o Otto Vu, e vários passaram às mãos da Siata para aplicação no 208-S. O esportivo baseava-se em um chassi tubular de aço com suspensão independente nas quatro rodas, dotada de braços sobrepostos e molas helicoidais — arranjo sofisticado para seu tempo. As carrocerias de alumínio vinham em três versões: Spider, aberta com dois lugares; Berline Gran Tourismo, ou cupê; e Corta Competizione ou 208-CS, voltada a corridas. Podiam ser assinadas por três “encarroçadores”, Bertone, Vignale e Farina (caso do belo Spider vermelho das fotos, vendido em 2011 em um leilão da RM Auctions por US$ 946 mil).
O motor V8 de apenas 2,0 litros (daí o número 208), um dos mais compactos já vistos com essa configuração de cilindros, tinha bloco e cabeçotes de alumínio, dois carburadores Weber, comando de válvulas mais “bravo” da Siata e alta taxa de compressão para a época (8,5:1). Ao desenvolver 132 cv a 6.300 rpm, levava o modelo a mais de 190 km/h. Caso se optasse pelo motor básico da Fiat, os 105 cv se traduziam em cerca de 170 km/h. O câmbio era de quatro marchas.
Mesmo tão caro quanto um Ferrari de 12 cilindros, o 208-S despertou entusiasmo na imprensa norte-americana, mas não alcançou vendas expressivas, em parte pelas limitações da pequena fábrica. Nos EUA era vendido por Ernie McAfee, piloto e revendedor de esportivos italianos — como Ferrari, Alfa Romeo, Moretti e Osca — em Los Angeles, Califórnia. McAfee chegou a correr com o 208-S a famosa prova Carrera Panamericana, em 1953, e Steve McQueen teve um desses carros.
Duas versões fechadas, para rua e para competição (o CS, nas fotos), também foram
produzidas do 208; a fabricação foi encerrada depois que a Fiat tirou de linha o Otto Vu
Testado em 1953 pela revista norte-americana Road & Track, o 208-S com motor de 105 cv acelerou de 0 a 96 km/h em 12,4 segundos e ganhou muitos elogios: “Esse motor, que parece um Lincoln V8 em miniatura, gira como uma máquina de costura rotativa e, mesmo usando 6.000 rpm como limite, parece apto a continuar sob esse tratamento indefinidamente”. A estabilidade foi outro ponto alto: “Tomamos curvas em velocidades impossíveis, mas o Siata não derrapou ou mesmo gritou, e o rodar é muito confortável”. De acordo com a revista, se comparado a um Ferrari de então, o Siata saía em vantagem em “nível de ruído, suavidade, acesso, confiabilidade, resistência; em outras palavras, tudo que se refere a praticidade”.
O carro leiloado pela RM foi dirigido em 2008 pela revista Octane, que descreveu: “Foi amor à primeira vista. É preciso moderar no acelerador abaixo de 2.000 rpm, mas tão logo os dois Webers limpam suas gargantas, o Siata empurra-se para frente em uma progressão longa e contínua. Como o Iso Grifo com motor Chevrolet V8, ele tem muito torque e simplesmente empurra tão mais forte quanto mais altas forem as rotações. O ruído é fabuloso”.
O comportamento dinâmico do 208-S foi bastante elogiado a um tempo em que muitos carros esporte usavam suspensões primitivas e chassis pouco rígidos. Segundo a Octane, “leva algum tempo para entender seu chassi, o câmbio e os freios. Para andar rápido em curvas, freie mais cedo, deixe a traseira se arrumar, e então use o prodigioso torque para sair”. A conclusão da revista sobre o Siata foi que “em vários aspectos ele é melhor que seus contemporâneos como o Jaguar XK 120, o Ferrari 342 America e até mesmo o California Spider, por ter agilidade, refinamento e equilíbrio superiores”.
Da esquerda para a direita, o 300 BC, evolução do Amica com motor Crosley; o cupê
TS, com estilo de Michelotti; e o conversível Spring, que sobreviveu à marca
Em 1954 a Siata deixava de produzir o 208-S, após 35 unidades, pois já não havia motores disponíveis na Fiat. Como os norte-americanos ainda mostravam interesse, a marca trabalhou na aplicação de motores Hemi V8 da Chrysler e ofereceu o 300 BC, uma evolução do Amica que usava o motor do pequeno esportivo Crosley Hot Shot. Contudo, afastada das pistas, ela via seu mercado na Europa encolher, para o que concorria o melhor desempenho dos carros lançados por grandes fabricantes. O Daina saía de produção em 1958.
Quando a Fiat firmou com Carlo Abarth para que modificasse seus modelos, o setor de preparação da Siata também perdeu espaço. A família Ambrosini ainda acertou uma colaboração com a Abarth em 1959, fazendo preparações para os Fiats 1300 e 1500 com êxito, mas a parceria se desfez após dois anos.
Durante a década de 1960, modelos Fiat foram “vestidos” com carrocerias Siata, como o pequeno conversível de linhas nostálgicas Spring, derivado do 850, e o cupê TS, com desenho de Michelotti e 106 cv obtidos de um motor de 1,6 litro. A Siata fechou as portas em 1970, mas o Spring sobreviveu por mais cinco anos, produzido na Sardenha sob a marca Orsa (Officina Realizzazione Sarde Automobili) com motor da espanhola Seat.