Desenho do novo Toyota mostra compromisso com o bom gosto: o padrão para países emergentes está subindo
Texto: Danillo Almeida – Fotos: divulgação
Em princípio, fazer carros para países emergentes é algo bom: significa que eles terão características próprias para atender a necessidades como baixo custo de aquisição e manutenção, cabine e porta-malas amplos e estilo duradouro. A má fama que essa ideia ganhou veio de como alguns fabricantes a executavam: projetos defasados, oferta de equipamentos escassa e desenho pouco atraente. Os carros aparentavam pobreza, o que ninguém quer (ou merece), mesmo nas categorias de entrada. A demanda forçou a indústria a mudar de rumo. Hoje, ela barateia a produção pelo bom uso da tecnologia, de modo que consegue projetar carros mais agradáveis sem torná-los caros.
No Brasil, os carros mais vendidos têm proposta racional, mas com detalhes criados a partir da emoção: o Fiat Argo foca no estilo esportivo, o Renault Sandero oferece versões “aventureira” e de alto desempenho, o VW Polo enfatiza a modernidade geral e assim por diante. Quando a Toyota entrou nesse mercado, seu erro foi negligenciar a parte emocional. O Etios, projetado na Índia e lançado no Brasil em 2012, recebeu duras críticas concentradas na aparência, por dentro e por fora, embora tivesse boas qualidades. A Toyota foi forçada a vendê-lo com foco na relação custo-benefício e deixou para oferecer um carro atraente mais tarde.
Essa mudança de foco fez o Etios vender mais, mas não a ponto de permitir à Toyota deitar nos louros. Como ele foi projetado para ser popular, o público brasileiro viu uma lacuna muito grande de refinamento geral entre ele e o modelo superior na linha, o Corolla. A Toyota tentou resolver isso criando versões de luxo para o Etios, o que não foi suficiente: era preciso uma terceira linha. A resposta para isso veio há poucos meses com o Yaris.
Esse nome vinha batizando um hatchback no mercado europeu desde 1999. No começo da década atual, com o nome bem estabelecido, a Toyota decidiu aproveitá-lo em um segundo modelo para países emergentes. Enquanto o tradicional sempre foi baseado no japonês Vitz, o novo tomou como base o tailandês Vios. Por causa disso, recebeu carrocerias hatch e sedã, tamanho maior, desenho um pouco mais sóbrio e menor nível geral de refinamento, de modo a custar menos. A filial norte-americana foi exceção porque preferiu vender o Mazda 2 sedã sob licença com o nome Yaris e um retoque visual de gosto discutível.
Esses eventos fizeram a Toyota reavaliar a operação brasileira. Nos anos seguintes, ela estudou o espaço que o Yaris poderia ocupar no País e que conteúdo ele deveria ter para isso. Então, esperou o modelo tailandês chegar ao redesenho de meia-vida para lançá-lo aqui. Ele veio com as duas carrocerias, projetado sobre a plataforma do Etios e com seus motores. Todo o resto, no entanto, procura oferecer mais requinte e estilo, sempre mantendo distância do irmão maior, dono de fabuloso desempenho de mercado. Vamos ver os detalhes de seu estilo?
Na parte dianteira, todos os elementos sugerem um formato de “V”. Esse recurso comum em carros orientais dá a ideia de fluidez, como se as linhas fossem guiadas pelo fluxo de ar ao restante da carroceria. É o efeito contrário ao de solidez, em que os elementos de estilo têm dimensões menores e o carro parece imponente e assentado ao piso. Essa diferença se entende bem comparando a dianteira do Yaris com a de Polo e Virtus.
Os faróis são outro elemento a seguir a escola oriental de desenho: forma repuxada em direção às laterais, contorno suave e cantos vivos. No entanto, apresentam perfil mais baixo que o de costume. A Toyota optou por evitar aquela aparência de monstrinho de desenho animado que o Yaris teve nas primeiras gerações.
A grade de perfil baixo com filetes cromados foi inspirada na de outros Toyota recentes, como o Corolla e o RAV4. Esses filetes têm uma continuação visual nos faróis, a qual define seu desenho interno. É tendência comum nos últimos anos, mas não caiu bem aqui: eles se destacam em meio às entradas de ar pretas e colaboram para o excesso visual.
É difícil entender por que alguns carros destacam visualmente esta entrada de ar mais estreita. Faz mais sentido criar toda a área aberta necessária na entrada principal e reduzir a quantidade de elementos de estilo. Pelo menos a Toyota fez essa separação com bom gosto, ao contrário da Fiat no Uno atual, cuja entrada adicional chega a chamar tanta atenção quanto as demais.
Fazer da entrada de ar o elemento mais destacado da dianteira é comum nos carros modernos, mas o costume é de cada fabricante aplicar um desenho próprio, como a “boca de tigre” da Kia. A Toyota, por sua vez, optou por usar entradas grandes em geral: a do Camry fica em posição baixa e é mais larga na base do que no topo, a do RAV4 fica mais acima e é mais hexagonal, e a do Yaris hatch é como a imagem mostra.
Normalmente, a moldura inferior da entrada de ar é um componente trivial. Aqui, a Toyota conseguiu mudar isso com o bom uso das cores: os extremos são pintados no mesmo preto brilhante da entrada de ar, de modo que a parte pintada na cor da carroceria fica isolada visualmente. Essa solução cria mais um elemento ao qual prestar atenção, portanto quebra a sensação de entrada de ar grande demais.
O balanço dianteiro (distância entre o começo da carroceria e o eixo dianteiro) costuma ser grande em carros com tração dianteira e o do Yaris não é exceção. O estilo fluido, mencionado na imagem anterior, vem a calhar na vista lateral porque as peças avançam sobre as laterais; evitou-se que esse espaço todo ficasse vazio ou fosse preenchido com outro detalhe visual que causasse poluição visual.
A linha superior da carroceria indica capô longo, para-brisa fortemente inclinado e teto na altura média da categoria. O carro flerta com a esportividade, mas não a ponto de sacrificar qualidades racionais como o espaço interno.
Criar vincos laterais é uma tarefa ingrata: se são numerosos e/ou fortes, poluem o visual e encarecem a produção das chapas. Se são poucos e/ou fracos, tornam a carroceria vazia e um tanto pobre. No Yaris é difícil achar um ângulo em que seu par de vincos mostre, de fato, o efeito desejado. Em geral, somente o de cima aparece — e soa perdido e desconexo.
Em concorrentes como Fiat Argo, Ford Fiesta, Peugeot 208 e VW Polo, as maçanetas foram desenhadas integradas ao vinco lateral superior. Como este vinco é fraco no Yaris, elas perderam esse apoio e parecem “penduradas” nas portas, quase que adicionadas de última hora. O acabamento prateado as torna mais bonitas em si, mas ainda mais destoantes do resto. Escolhas de baixo custo quase sempre têm repercussões negativas no estilo.
Eis um exemplo do famoso efeito de teto flutuante: a última coluna lateral é pintada de preto brilhante na altura das janelas, de maneira a conectá-las visualmente ao vidro traseiro. Como o teto permanece na cor da carroceria, fica parecendo que está preso a ela apenas pelas colunas dianteiras. Além da diferenciação, isso reforça a imagem de fluidez e esportividade que a Toyota queria passar.
À medida que o olhar se aproxima da parte traseira, o Yaris parece mais vazio. O para-choque ficou liso demais, o que é fácil de perceber nessa região: não há vincos, frisos ou mesmo revestimentos —nada que faça conexão visual entre a parte traseira e as laterais. A região da tampa do porta-malas parece flutuar, mas isso não é bom, como veremos a seguir.
As lanternas traseiras são previsíveis: têm formato horizontal para reforçar a sensação de largura, como convém a carros com pretensão esportiva, e contorno suave e de cantos vivos, como na maioria dos modelos orientais. Mesmo assim, pelo desenho geral ou pela divisão entre as cores das lentes, a Toyota conseguiu uma aparência esguia e, ao mesmo tempo, imponente.
É comum ver réguas cromadas conectando as lanternas em sedãs de caráter conservador. O Yaris faz essa conexão com uma régua em preto brilhante, desenhada de modo a parecer uma extensão do vidro. É discreta como deve ser, mas fica tão próxima da placa e das lanternas e tão distante do limite inferior da carroceria que torna a região central muito poluída.
Quando se têm lanternas conectadas por um elemento central, é quase uma regra que a placa seja fixada logo abaixo desse conjunto. No entanto, o suporte de placa do Yaris só faz reforçar o que foi dito no item anterior: todo esse conjunto apresenta perfil muito baixo e fica bem próximo do vidro. A concentração de peças fica acentuada na parte superior da traseira.
Esse vinco cobre toda a largura do para-choque e cria um lugar para as luzes de neblina que faz lembrar saídas de escapamento duplas. Seria uma adição bonita, não fosse por dois detalhes: seu formato não segue ou é seguido por nada na parte inferior das laterais e sua posição, mais alta no centro, diminui o vazio visual do para-choque às custas de fazer a carroceria parecer um tanto saltada demais.