Com forte identidade visual, ele teve três marcas, versão de alto desempenho e foi vendido também no Brasil
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A década de 1990 foi um período de criatividade para a Chrysler. Depois de sair da crise nos anos 80 com os conservadores sedãs da série K (Dodge Aires/Plymouth Reliant) e com as minivans Dodge Caravan e similares, o grupo norte-americano partiu para projetos ousados, como o supercarro de conceito Dodge Viper de 1989, que em três anos chegava ao mercado.
Entre os sedãs esse dinamismo levou aos modelos de “cabine avançada”, primeiro os da série LH (Chrysler Concorde, New Yorker e LHS, Dodge Intrepid e Eagle Vision), depois aos da linha JA (Chrysler Cirrus, Dodge Stratus e Plymouth Breeze). Antes deles, porém, um modelo compacto (aqui seria enquadrado como médio) aparecia como carro-conceito com desenho criativo: o Neon. Faróis ovalados, para-brisa amplo e inclinado e portas corrediças inovavam em estilo e funcionalidade.
As portas ficaram pelo caminho, mas no Salão de Detroit em janeiro de 1994 o Neon era apresentado com linhas bem próximas às daquele estudo, desenhadas por Thomas Gale, o mesmo criador do Viper, do Plymouth Prowler e da Dodge Ram. Diferente de outros produtos da empresa, ele usava o mesmo nome para as três divisões — tanto o Chrysler quanto o Dodge e o Plymouth eram chamados de Neon.
As portas corrediças não vieram, mas muito do estilo do conceito Neon (à direita) chegou ao modelo de produção, vendido como Chrysler, Dodge e Plymouth
Estranho ou simpático? Seu desenho dividia opiniões, com os faróis ovalados em uma frente de linhas simples, carroceria com curvas suaves, base de para-brisa baixa e avançada e uma cabine ampla. Havia escolha entre sedã de quatro portas e cupê, ambos sem molduras nas janelas, com 4,36 metros de comprimento e a ampla distância entre eixos de 2,64 m. O coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,32 era bom. Com interior simples e funcional, ele tinha um ponto fraco no porta-malas com espaço para apenas 330 litros.
Um mesmo motor de 2,0 litros e quatro válvulas por cilindro estava disponível em duas versões: com comando de válvulas único, potência de 131 cv e torque de 17,7 m.kgf e com comando duplo, 150 cv e 18,3 m.kgf. Mercados como o europeu o receberam com um 1,8-litro de 115 cv. Eram bons números para um peso ao redor de 1.140 kg, cerca de 130 kg a menos que um Chevrolet Cavalier.
Opção à transmissão manual era uma automática de apenas três marchas — o que seria criticado tanto pela inadequação ao motor quanto porque, a seu tempo, quatro marchas eram praxe no segmento. Apesar da marcha a menos, o Neon estava bem situado na categoria em termos de potência: concorrentes como o citado Cavalier, Ford Escort, Honda Civic, Nissan Sentra e Toyota Corolla ofereciam entre 102 e 130 cv.
Versões como o sedã Sport (à esquerda) e o cupê R/T (em cima) trouxeram ar mais alegre, mas a potência não passava de 150 cv; o interior sobressaía em espaço
Ele sobressaía na classe também pelo espaço interno, como destacou a revista Car and Driver em sua avaliação: “Ele é mais alto que o Civic em mais de 7 cm. Você entra sem precauções e pode até usar um chapéu. O entre-eixos é 18 cm mais longo que o do Corolla e a abertura das portas é excepcional. O Neon saiu mais espaçoso, confortável, ágil e divertido. O motor tem bastante torque e sobe de giros alegre até 6.500 rpm. Ele chega a 96 km/h em rápidos 7,9 segundos. Sua estabilidade é bem equilibrada. O senso comum fez um carro bem bacana, o que é má notícia para o Saturn e outros modelos baseados no baixo preço”.
O Dodge Neon SRT-4, esportivo com motor turbo de 215 cv, acelerava de 0 a 100 km/h em menos de 6 segundos: o mais rápido Dodge da época depois do Viper
O primeiro Neon ganhou versões com apelo esportivo. A ACR, American Club Racer, aplicava rodas esportivas, suspensão mais firme e transmissão encurtada ao modelo básico. A R/T (Road/Track, estrada/pista) aparecia na linha 1998 com capô, rodas e faixas em branco, defletor traseiro e sistema de áudio superior, além de alguns itens da ACR. Houve também o pacote Sport para o sedã.
A segunda geração — fabricada apenas como sedã — era lançada no modelo 2000 com uma reinterpretação do estilo, que ficava mais refinado e elegante, lembrando muito o anterior. O carro crescia para 4,43 metros, com 2,67 m entre eixos e aumento de 5 cm em largura. A base do para-brisa estava 7 cm mais à frente, acentuando o aspecto de cabine avançada, e as janelas ganhavam molduras. O porta-malas crescia para 370 litros e a rigidez torcional da carroceria aumentava em 26%, mas o Cx piorava para 0,34.
A segunda geração crescia e vinha apenas como sedã; ela também ofereceu o R/T com 150 cv e visual esportivo (à esquerda); em 2003 ganhava grade maior (à direita)
Nos Estados Unidos apenas o motor de 2,0 litros com comando único estava em oferta, com 132 cv e 18,3 m.kgf. Caso equipado com coletor de admissão variável, passava a 150 cv e 18,6 m.kgf. Alguns mercados europeus e asiáticos o recebiam com o 1,6-litro de 16 válvulas fabricado no Paraná pela Tritec — associação entre a Chrysler e o grupo BMW —, que também equipava o Mini inglês e, mais tarde, estaria em modelos da Fiat brasileira após a absorção da fábrica de motores. Fora dos EUA a marca do sedã foi sempre Chrysler.
O Neon foi vendido no Brasil em ambas as gerações. A primeira veio em 1996 como sedã e cupê com motores de 1,8 e 2,0 litros e caixas manual e automática. A segunda aparecia em 2000, só com o sedã 2,0 automático, mas durava apenas um ano. O Best Cars avaliou-o: “A estética foi muito bem resolvida e a identificação visual — os faróis ovalados — foi mantida. A transmissão automática de três marchas é uma surpresa quando se lembra que seu antepassado, o Dodge Polara, oferecia quatro em 1979. Em subidas de serra, fica num sobe-desce de marchas interminável. Conforme a situação, o motorista precisa manter a segunda e suportar o regime elevado, com prejuízos ao consumo e nível de ruído”.
Continuava o site: “As marcas de desempenho refletem o mau aproveitamento da potência pelo câmbio, mas o torque parece bem distribuído. A suspensão proporciona bom padrão de conforto e ótimo comportamento dinâmico. Tudo somado, dirigir o Neon faz despertar o desejo de compra, acentuado pela modernidade e personalidade do estilo. O preço é muito próximo ao do Chevrolet Vectra GLS 16V automático, que oferece mais itens de conforto e menos de segurança, e algo acima do Ford Mondeo CLX“.
O Neon SRT-4 (acima, na foto interna e no topo da página) tinha 215 cv no motor turbo de 2,4 litros; hoje alguns mercados recebem o Fiat Tipo como Neon (à direita)
O Neon R/T voltava ao mercado em 2000 com o motor de 150 cv, rodas de 16 pol, defletor traseiro e suspensão esportiva. O ano seguinte foi o último para a versão da Plymouth, marca que a Chrysler extinguia. Uma caixa automática de quatro marchas enfim chegava em 2002. O ponto alto em desempenho de sua história foi o Dodge Neon SRT-4, esportivo com motor turbo de 2,4 litros, 215 cv e expressivos 33,9 m.kgf. Lançado em 2003, ele trazia tomada de ar funcional no capô, aerofólio traseiro alto, rodas de 17 pol, bancos especiais, freios bem maiores e suspensão mais firme. Velocidade máxima de 238 km/h e aceleração de 0 a 100 em menos de 6 segundos faziam dele o mais rápido Dodge depois do Viper.
A revista Road & Track aprovou o SRT-4: “O carro empurra forte em todas as marchas, com surpreendente falta de retardo do turbo ou de esterçamento por torque, e tem muita elasticidade. Os pneus o mantêm grudado à trajetória escolhida. O preço abaixo de US$ 20 mil compara-se favoravelmente com hatches de 160 a 170 cv. Ele promete desempenho ao nível do Subaru Impreza WRX de 227 cv, pois tem mais torque, e custa US$ 4 mil a menos com estrutura e acabamento interno que parecem melhores”.
Grade dianteira (com quatro elementos e resultado discutível na versão Dodge), faróis e para-lamas mudavam em toda a linha em 2003. Dois anos mais tarde, o Neon despedia-se do mercado e abria espaço ao Dodge Caliber, um hatch de linhas robustas e plataforma compartilhada com a Mitsubishi. Contudo, o nome voltaria em 2016 para os mercados mexicano e do Oriente Médio, aplicado ao Fiat Tipo/Egea fabricado na Turquia.
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