Rejeitado pelos puristas por ter plataforma Fiat e tração dianteira,
o sedã médio dos anos 90 mostrou garra com motores de até 190 cv
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A aquisição da Alfa Romeo pelo grupo Fiat, em 1986, causou algumas mudanças na marca fundada em Milão, Itália, em 1910. Daquele ano em diante, os automóveis familiares da Alfa — o que exclui superesportivos como SZ, RZ e os mais recentes 4C e 8C Competizione — adotariam tração dianteira como padrão, em alguns casos com tração integral, em vez da traseira que caracterizava seus cupês e sedãs até então. Ainda, ao compartilhar plataformas e componentes mecânicos com outros modelos do grupo de Turim, os Alfas perderiam parte de sua marcante identidade.
Embora projetado ainda antes da compra, o sedã médio-grande 164 acenava para o futuro da Alfa Romeo ao dividir a arquitetura com Fiat Croma, Lancia Thema e até um carro sueco, o Saab 9000. O princípio de compartilhar seguia adiante com o projeto do sucessor do Alfa 75, que aparecia no Salão de Barcelona, Espanha, em janeiro de 1992 e em março no maior evento de Genebra, Suíça: o Alfa Romeo 155.
Embora compartilhasse a estrutura com o Fiat Tempra, o 155 tinha identidade de
estilo própria; a ampla cabine e o espaçoso porta-malas eram bons atributos
Era mais um fruto do projeto Tipo Tre (três em italiano), que já havia dado origem ao Lancia Dedra em 1989 e ao Fiat Tempra no ano seguinte, com uma plataforma de tração dianteira e motor transversal que tinha como base a Tipo Due (dois) inaugurada em 1988 pelo Tipo. A definição de estilo do Alfa ficou a cargo do italiano Ercole Spada, então responsável pelo estúdio I.DE.A e autor de desenhos marcantes como os do Aston Martin DB4 GT Zagato de 1960 e dos BMWs Série 7 de 1986 e Série 5 de 1988. O Tipo e o Tempra também nasceram em sua prancheta.
As estrelas eram o musical Alfa V6 de 2,5 litros
e o quatro-cilindros turbo do Quadrifoglio 4,
o mesmo motor do Lancia Delta Integrale
Com 4,44 metros de comprimento, 1,70 m de largura, 1,44 m de altura e 2,54 m de distância entre eixos, o Alfa 155 tinha boas proporções para o período e era um pouco maior que o antigo 75. Entre os traços marcantes de seu desenho retilíneo estavam faróis de perfil baixo em uma frente afilada, vincos pronunciados em três alturas das laterais — um deles aproveitado para o recorte do capô e a base das janelas — e tampa do porta-malas elevada, como no Tempra. Apesar das lanternas horizontais conectadas por cima da placa de licença, a tampa abria até o para-choque para fácil colocação da bagagem no compartimento de 525 litros.
Mesmo que lembrasse o “primo” da Fiat, o 155 tinha a própria identidade visual — nenhum painel de carroceria era comum entre eles — e mostrava eficiência no coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,30. Era o primeiro Alfa de porte médio fabricado em Pomigliano d’Arco, na província de Nápoles, e não mais em Arese, Milão. No interior, também baseado em linhas retas, o volante de três raios era típico Alfa, o painel continha até seis instrumentos e havia um sistema de verificação e controle na seção central. O ar-condicionado com controle automático de temperatura era incomum no segmento.
O Q4, ou Quadrifoglio 4, era sua versão mais “quente”: motor turbo de 2,0 litros
e 16 válvulas com 190 cv e tração integral vinham do Lancia Delta Integrale
Entre os motores iniciais do 155 estavam as unidades a gasolina Twin Spark (dupla centelha, em alusão às duas velas por cilindro) de quatro cilindros em linha com 1,75 litro, potência de 115 cv e torque de 14,9 m.kgf; 1,8 litro, 129 cv e 16,8 m.kgf (a mais vendida da linha por larga margem); e 2,0 litros, 143 cv e 19 m.kgf. Os dois últimos usavam variação de tempo de abertura das válvulas, para melhorar o torque em baixa rotação, e todos tinham injeção eletrônica. Opções turbodiesel eram o 1,95-litro da própria Fiat, com 90 cv e 18,9 m.kgf, e o 2,5-litros da VM Motori, com 125 cv e 30 m.kgf, ambos de quatro cilindros e oferecidos de 1994 em diante.
As estrelas da linha, porém, eram o musical Alfa V6 “Busso” (alusão ao projetista Giuseppe Busso) de 2,5 litros, 166 cv e 22 m.kgf, derivado do conhecido 3,0-litros então empregado no 164, e o 2,0-litros com turbocompressor e quatro válvulas por cilindro da versão Quadrifoglio 4 ou Q4, o mesmo do famoso Lancia Delta Integrale, com 190 cv e 29,7 m.kgf, associado a uma tração integral permanente com acoplamento viscoso e três diferenciais — dianteiro, central e traseiro, este autobloqueante. Bem mais pesada (1.445 kg ante 1.205 da básica), essa versão usava pneus 205/50 R 15, acelerava de 0 a 100 km/h em sete segundos e alcançava velocidade máxima de 225 km/h, contra 8,4 s e 215 km/h do V6.
Todo 155 vinha com câmbio manual de cinco marchas — caixa automática era dispensada pelos compradores de Alfa em geral — e a suspensão seguia os padrões do Tempra italiano (no brasileiro eram diferentes), com o conceito McPherson na dianteira e braços arrastados na traseira, um sistema independente mantido na versão Q4. Esta e a V6, porém, ofereciam opção de controle eletrônico dos amortecedores com programas de uso automático e esportivo. Entre as demais versões, a Sport tinha menor altura de rodagem e amortecedores mais firmes que a Super, mais voltada ao conforto. Freios a disco nas quatro rodas eram padrão; as versões superiores vinham com sistema antitravamento (ABS), opcional nas outras.
O V6 de 2,5 litros e 166 cv combinava conforto e desempenho; o 155 oferecia painel
completo e ar-condicionado automático; edição Formula era de homologação
O 155 competia em um segmento concorrido com Audi 80 (depois o A4), BMW Série 3, Citroën Xantia, Ford Mondeo, Mercedes-Benz 190 (mais tarde o Classe C), Opel Vectra, Peugeot 405, Renault Laguna e Volkswagen Passat. Em comparativo ao Audi 80, ambos com motor de 2,0 litros, a revista italiana Quattroruote destacou no Alfa “motor brilhante, câmbio bem manobrável, boa estabilidade” e reclamou da ventilação interna sem recirculação e da qualidade de acabamento inferior.
Superior ao concorrente ainda em espaço interno, motor e retomada de velocidade, o 155 perdeu em painel e comandos, conforto e dotação de segurança. “O Alfa é decididamente mais nervoso. Seu motor responde com notável prontidão ao acelerador e mantém sempre boa reserva de potência. Dá prazer também senti-lo girar. Sua vivacidade é acentuada pelo excelente câmbio, comandado com velocidade e precisão admiráveis”, destacou.
No teste da inglesa Autocar, o 155 Cloverleaf 4 (versão local do Q4) foi elogiado pelo “forte desempenho, aderência e direção precisa e comunicativa”, mas criticado pelo alto consumo, o retardo de atuação do turbo e a posição de dirigir. “Precisa-se esperar até 3.000 rpm para o turbo girar, mas a espera vale a pena. Ele atinge 96 km/h em apenas 6,7 segundos, resultado soberbo e próximo aos do Lancia Integrale e do Ford Escort Cosworth. A cabine é espaçosa e bem-equipada; o espaço no banco traseiro está entre os melhores da classe”, observou.
Para-lamas alargados e melhor acabamento vinham em 1995; os motores Twin
Spark de 1,8 e 2,0 litros recebiam 16 válvulas e o segundo alcançava 150 cv
As primeiras revisões eram apresentadas em 1995. A carroceria ganhava 3 cm em largura pelos para-lamas mais pronunciados, o que permitiu alargar as bitolas para melhor estabilidade. Novos motores de 1,8 e 2,0 litros com quatro válvulas por cilindro traziam mais potência (140 e 150 cv, na ordem), embora sem aumento de torque, enquanto um 1,6-litro com a mesma técnica, 120 cv e 14,7 m.kgf substituía o 1,75. O 2,0-litros, da mesma família do Lancia cinco-cilindros de 2,45 litros que veríamos mais tarde no Fiat Marea, permitia 0-100 em 9 s e máxima de 210 km/h. Havia ainda melhores materiais de acabamento e direção com relação mais baixa (rápida). Com pouca aceitação, o Q4 de tração integral deixava o mercado.
O 155 brilhou nas pistas ao competir em campeonatos de turismo na classe Super Touring ou Classe 2, aberta em 1993 com modelos de 2,0 litros, assim como no DTM (Campeonato Alemão de Carros de Turismo). Conquistou títulos nas mãos de Nicola Larini no DTM e no Superturismo italiano, Gabriele Tarquini no BTCC (Turismo britânico), Adrián Campos e Fabrizio Giovanardi (ambos no Turismo espanhol), além de obter terceiro lugar no DTM com Alessandro Nannini em 1996, quando o certame se chamava Campeonato Internacional de Carros de Turismo ou ITC. A versão V6 TI para o DTM tinha o motor 2,5 preparado para 490 cv a 11.900 rpm, peso de apenas 1.060 kg e máxima ao redor de 300 km/h.
Dentro do mote “vença no domingo, venda na segunda-feira”, a Alfa Romeo ofereceu pacotes esportivos e séries especiais que deixavam o 155 de rua mais parecido às versões das pistas. Havia um jogo de defletores e saias e rodas Speedline de 16 pol em cinza-grafite ou preto. A edição limitada Silverstone (na Inglaterra) ou Formula (na Europa continental) atendia às exigências para homologar o 155 para o BTCC, com defletor dianteiro e aerofólio traseiro ajustáveis, para-choques sem pintura, motor 1,8 e redução de peso.
A versão V6 TI foi vitoriosa no DTM e o 155 em outros campeonatos de turismo;
embaixo, o esportivo TI-Z do estúdio Zagato e a perua concebida por Sbarro
O 155 chegou ao Brasil em 1996 nas versões básica e Super com o motor de 2,0 litros e 16 válvulas. Oferecia itens como ajuste elétrico de bancos, bolsa inflável para o motorista e rodas de 15 pol, além de opcionais como teto solar e revestimento em couro. As importações logo cessaram, porém, pois o modelo foi produzido só até 1997, quando abria caminho para o belíssimo e arredondado 156.
A Alfa não ofereceu versão perua, mas o suíço Sbarro elaborou uma como carro-conceito em 1994. Outras criações foram do estúdio italiano Zagato: o 155 TI-Z de 1993, com o motor turbo preparado para 230 cv, para-lamas alargados, anexos aerodinâmicos e rodas de 17 pol; e sua evolução GTA-Z de 1995, ambos produzidos em pequena série. O projetista Spada admitiu em entrevista que um 155 de duas portas também foi estudado pela Alfa com a estrutura lateral e de portas desenvolvida para o Tempra brasileiro, uma vez que tal opção não existia no Fiat italiano.
Apesar da rejeição inicial dos “alfistas” tradicionais, pela adoção da tração dianteira e de componentes Fiat, o 155 conquistou uma legião de fãs. Obteve vendas razoáveis para um carro sem grande difusão internacional — 192.618 unidades —, foi usado por diferentes corporações policiais italianas e, acima de tudo, reergueu a imagem da marca nos anos 90 com as muitas vitórias nas pistas.
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