Projetado em conjunto com Alfa, Fiat e Lancia, o sueco
conquistou pelo desempenho e foi produzido por 15 anos
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A sueca Saab sempre teve formas peculiares de projetar e construir automóveis, dos motores a dois tempos usados na série 92/93/95/96 a soluções de estilo que não faziam unanimidade. Mas na década de 1980, buscando alcançar um segmento de mercado superior sem assumir custos muito altos, a empresa de Trollhättan, no sudoeste do país, preferiu se associar ao grupo italiano Fiat para desenvolver a plataforma Type Four ou tipo quatro. Dela saíram o Alfa Romeo 164, o Fiat Croma, o Lancia Thema e o Saab 9000.
Desenhado por Giorgetto Giugiaro (assim como o Croma e o Thema; já o 164 era da Pininfarina) e retocado pelo estilista Björn Envall, da própria marca, o 9000 era apresentado em maio de 1984 como um hatchback de cinco portas, tração dianteira e porte médio-grande para os padrões europeus, embora fosse tão espaçoso que nos Estados Unidos — onde a classificação de tamanho considera o volume interno — seria enquadrado como carro grande. Media 4,62 metros de comprimento e 2,67 m de distância entre eixos e pesava a partir de 1.315 kg.
As linhas funcionais de Giugiaro eram bem percebidas no estilo do 9000, que não abria
mão da identidade de estilo da Saab; as cinco portas acrescentavam conveniência
Sem abrir mão da identidade da marca, seu desenho era mais atual, harmonioso e aerodinâmico que o do tradicional 900, com maior entre-eixos para um menor comprimento, para-brisa mais inclinado e o interessante vidro traseiro envolvente em três partes que, de certos ângulos, fazia o hatch parecer um sedã. No interior luxuoso, ar-condicionado automático, aquecimento nos bancos dianteiros, controlador de velocidade e computador de bordo vinham de série; revestimento interno em couro e teto solar eram opcionais. O miolo da chave de ignição, porém, vinha no painel — e não no console central, como mandava a tradição da marca.
A primeira versão do 9000, a Turbo 16, tinha um motor de quatro cilindros e 2,0 litros recheado de tecnologia, com injeção eletrônica, turbocompressor, resfriador de ar, duplo comando e quatro válvulas por cilindro, para desenvolver a potência de 175 cv e o torque de 27,8 m.kgf. Montado em posição transversal — pela primeira vez em um Saab desde o 92 dos anos 50 —, podia ser associado a um câmbio manual de cinco marchas ou a um automático de quatro marchas. Meses depois vinham o 9000 básico e o 9000 S, que usavam uma versão de aspiração natural do 2,0-litros de 16 válvulas com 130 cv.
A suspensão dianteira era McPherson e a traseira usava eixo rígido com barra Panhard. Era o único modelo do projeto com tal configuração (os demais tinham McPherson também atrás), justificada pela Saab por eventual adequação a estradas com neve e gelo na Suécia. Todas as rodas eram freadas por discos, ventilados na frente, e usavam pneus 195/60 R 15. Dentro da tradição sueca de ênfase à segurança, o 9000 vinha dotado de recursos como barras de proteção no interior das portas e assistência hidráulica (em vez de sistema a vácuo) para os freios. Mais tarde seria equipado com pretensionadores de cintos e, de 1986 em diante, sistema antitravamento (ABS) de freios.
A versão Talladega comemorava a prova de resistência, mantendo o motor turbo
de 175 cv; o sedã de quatro portas 9000 CD atendia aos adeptos desse formato
O teste da revista inglesa Motor com o 9000 Turbo 16 apontou bons atributos: “O motor dá ao carro um ótimo desempenho. Seu ímpeto é mantido até os 160 km/h e o quatro-cilindros se mantém bastante suave até o limitador de giros a 6.250 rpm. Dirigido rápido em curva, ele revela um subesterçoinicial moderado, que se anula conforme aumenta a velocidade. Isso mantém o carro deliciosamente neutro até que o limite seja atingido, quando a frente finalmente abre a curva. É possível cobrir distâncias extremamente rápido e com segurança no 9000″.
Comparado pelos ingleses a Audi, Ford e Mercedes, o 9000 se saiu muito bem: segundo mais barato, foi o melhor em aceleração, velocidade máxima e consumo
Na também britânica What Car?, o Saab foi comparado a Audi 100 Quattro, Ford Granada 4×4 (versão local do Scorpio alemão) e Mercedes-Benz 300 E — e se saiu muito bem. Sendo o segundo mais barato, atrás do Ford, foi o melhor em aceleração, velocidade máxima e consumo e terminou em primeiro lugar: “O confronto final é entre Saab e Mercedes, uma máquina de alto desempenho e um estradeiro refinado. O Saab é muito mais empolgante. O motor turbo lhe dá uma aceleração de tirar o fôlego — tanto que se podem tolerar sua fraqueza em baixa rotação e o esterçamento por torque. O 9000 é também muito prático, espaçoso e com grande porta-malas. Há um senso escandinavo de estilo em seu interior, em agradável contraste ao esnobe Mercedes”.
Para comprovar a resistência dos motores turbo, a Saab levou três 9000 originais de produção, apenas com a instalação de estrutura interna de proteção, ao circuito de Talladega, no Alabama, EUA, em 1986. Os carros rodaram 100 mil quilômetros sob plena aceleração durante 21 dias, parando apenas para abastecer, trocar de motorista e fazer manutenção, e bateram 21 recordes na categoria B de carros de produção, incluindo dois mundiais — o mais rápido deles obteve velocidade média de 213,3 km/h em todo o percurso. O feito foi comemorado com a versão Talladega, que trazia rodas raiadas, grade preta, faróis de neblina e volante Momo revestido em couro.
O 9000 Aero trazia motor turbo de 2,3 litros e 200 cv, rodas 16 e estilo esportivo;
o carro em prata mostra a reestilização de frente e traseira adotada em 1992
Um sedã de três volumes — preferido em vários mercados, como o norte-americano — aparecia na linha 1989. O 9000 CD media 10 centímetros a mais atrás do eixo traseiro e tinha a frente um pouco mais arredondada. De início oferecido apenas com o motor turbo, cuja potência caía para 160 cv por causa do catalisador, ele recebia um ano depois o aspirado de 2,0 litros, mas não nos EUA: tal mercado recebia um pouco mais tarde o motor de 2,3 litros, 150 cv e 21,6 m.kgf, dotado de árvores de balanceamento para anular vibrações e de ignição direta com uma bobina para cada cilindro, sem distribuidor.
Oferecida também com turbo de 1990 em diante, a unidade 2,3 passava a 200 cv e 29,6 m.kgf, que se traduziam em 0-100 km/h em sete segundos e velocidade máxima de 237 km/h. A versão Aero, com tal motor, para-choques especiais, saias laterais e rodas de 16 pol com pneus 205/50, substituía a Talladega como opção mais dinâmica — chamava-se 9000 Carlsson em mercados como o inglês e o australiano. Já o sedã teve uma requintada edição especial para os EUA, a Griffin, vendida em 1992 com apliques de madeira, ar-condicionado adicional para o banco traseiro, fartos controles elétricos e exclusiva cor verde.
No teste da Car and Driver com o 2,3 turbo, a aceleração surpreendeu: “Seu tempo de 6,4 segundos para ir de 0 a 96 km/h é mais rápido que o de qualquer sedã de cinco lugares que testamos, exceto o BMW M5. Mais rápido que um Ford Taurus SHO. Mais rápido que um Infiniti Q45. Ele tem mais torque que o V8 do Mercedes 420 SEL. Quando você está preso em quarta marcha a 70 km/h atrás de um Chevette a diesel, há potência suficiente para ultrapassar sem precisar reduzir para terceira”. Os pontos criticados foram o comando de câmbio e o preço, quase tão alto quanto o de um Lexus LS 400 com motor V8.
O sedã acompanhava a reforma visual em 1994, com as versões CD e CDE; os motores
de 2,0 e 2,3 litros podiam ter turbo de baixa ou alta pressão ou vir como aspirados
O desenho sóbrio do 9000 envelheceu com dignidade, mas para 1992 a Saab adotava uma remodelação na frente — agora mais baixa e arredondada, com faróis e grade de perfil baixo — e na traseira, que ficava mais alta, perdia o vidro em três peças e ganhava lanternas em forma horizontal, ligadas uma à outra por cima da placa de licença. No sedã, que só recebia as alterações dianteiras para 1994, as lanternas atrás ficavam maiores do que antes, mas sem tal interligação. As versões eram renomeadas CS, CSE (hatches), CD e CDE (sedãs) e crescia a oferta de motores.
O 2,0-litros agora oferecia opções aspirada de 130 cv, turbo de baixa pressão e 150 cv (a Saab havia sido a marca pioneira, em 1979, a usar turbo em versões não esportivas no modelo 99) e turbo de alta pressão e 175 cv. O 2,3-litros podia vir aspirado com 150 cv, com turbo de baixa pressão (versão Ecopower) para 170 cv e com alta pressão para 200 cv. O esportivo Aero reaparecia em 1993 com motor 2,3 turbo de 225 cv, anexos aerodinâmicos, rodas de 16 pol com pneus 205/55, suspensão mais firme, controle eletrônico de tração e bancos dianteiros Recaro; em 1995 viria ainda com sistema de áudio Harmon/Kardon com toca-CDs. Podia ter caixa automática, mas nesse caso ficava com 200 cv. No ano seguinte, bolsas infláveis frontais tornavam-se padrão no 9000 nos EUA.
Na avaliação da revista Automobile, o desempenho justificou os elogios: “As especificações no papel não fazem seus olhos pularem como o carro faz, quando você reduz para terceira e se prepara para ultrapassar alguém que parecia estar andando rápido. O 9000 Aero é um carro de entusiastas, e ponto. Ele tem maior capacidade do que você precisa, mas isso é justamente o que você sempre quis”.
Bolsas infláveis, a opção do motor V6 de 3,0 litros e a série limitada Anniversary:
últimas novidades do 9000 antes da substituição pelo 9-5, que só existiu como sedã
Como a General Motors detinha 50% das ações da Saab desde 1989, foi de sua origem o motor V6 aspirado de 3,0 litros, 211 cv e 27,5 m.kgf, adotado em 1995 no 9000 CSE (como opção) e no CDE (de série). Essa unidade que também servia ao Opel Omega de segunda geração, lançado no ano anterior, permitia alto desempenho ao 9000 — 0-100 em 7,6 segundos e máxima de 230 km/h — apesar do peso mais alto, 1.445 kg. A série Griffin do sedã foi reeditada na Europa com o V6.
Em 1996 o hatch CS aparecia na edição limitada Anniversary, para celebrar os 50 anos da Saab, e o sedã deixava de ser oferecido. A caminho do fim de produção, o hatch CSE com câmbio manual adotava no ano seguinte o motor do Aero e rodas de 16 pol. Depois de pouco mais de 500 mil unidades fabricadas em 15 anos, a Saab substituía em 1998 a linha 9000 pelo sedã 9-5, que não teve opção hatchback.
Um pequeno lote de 50 sedãs 9000 CD, todos com motor 2,3 turbo e câmbio automático, foi importado para o Brasil pela General Motors pouco depois da abertura do mercado de 1990. Informações não oficiais apontam que 34 foram vendidos e os demais reenviados à Saab, ou seja, a GM não conseguiu fixar por aqui a boa imagem que a marca escandinava em geral, e o 9000 em particular, desfrutavam em outros mercados.