Em vez de retângulos, quatro faróis ovalados — estava pronta a quebra de paradigmas da marca da estrela
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Tradição é tudo para o estilo de alguns fabricantes. O que seria um Rolls-Royce sem a clássica grade dianteira, ou um BMW sem a dupla entrada de ar ou a curva da última janela lateral? Foi assim também na Mercedes-Benz, que por décadas evoluiu a passos muito graduais seu tema de desenho — até que viesse o Classe E de 1995, código de projeto W210.
É verdade que ninguém deixou de ser avisado. No Salão de Genebra de 1993, o conceito Coupé Studie previa o estilo para um cupê de porte médio, muito próximo ao que seria o CLK de 1997. Entretanto, o conservador perfil de clientes do Classe E — executivos, pais de família e, sem dúvida, muitos taxistas na Alemanha — tomou um susto ao ver o sucessor do sóbrio e elegante W124, apresentado em julho de 1995.
A maior surpresa estava nos faróis. No lugar dos elementos retangulares usados por longo tempo por Mercedes de diversas categorias, os projetistas Bruno Sacco e Steve Mattin aplicaram um par de faróis ovalados de cada lado, com os externos bem maiores. Algumas versões usavam lâmpadas de xenônio no facho baixo, inéditas na marca. No capô, canais destacavam a forma dos faróis e identificavam a novidade para o motorista. A forma suave como as colunas traseiras encontravam os para-lamas também era incomum.
O conceito Coupé Studie de 1993 (foto menor) antecipou a solução frontal do Classe E; no interior, madeira e linhas sóbrias respeitavam as tradições
O sedã media 4,82 metros de comprimento e 2,83 m de distância entre eixos e tinha ótimo coeficiente aerodinâmico (Cx) de 0,27. No interior, elementos habituais da marca estavam presentes, como o grande volante de quatro raios, o quadro com três módulos de instrumentos, a alavanca da transmissão automática com trajeto sinuoso e, no banco traseiro, encostos de cabeça que podiam ser rebatidos pelo motorista, por um mecanismo pneumático, para melhorar a visibilidade. Havia três padrões de acabamento: o mais simples Classic, o refinado Elegance e o Avantgarde, com toque esportivo.
Não faltou desempenho ao W210: o E55 AMG tinha motor V8 de 5,4 litros e 354 cv, suficiente para acelerar de 0 a 100 em 5,4 segundos com velocidade limitada a 250 km/h
Entre os recursos disponíveis estavam apliques de madeira, bancos com ajuste elétrico e memória, ar-condicionado e limpador de para-brisa automáticos, sistema de áudio Bose, sensores de estacionamento na traseira e acionamento elétrico do volante, do teto solar e da cortina traseira contra sol. A perua Estate aparecia em junho de 1996 com amplo compartimento de bagagem (600 litros ante 520 do sedã) e opção de dois bancos a mais, voltados para trás. Sua suspensão traseira tinha nivelamento automático, que mantinha a altura de rodagem constante — qualquer que fossem a carga e o terreno — por meio de esferas pressurizadas e preenchidas por gás, sem intervenção do motorista.
O Classe E oferecia uma gama variada de motores. As opções iniciais a gasolina eram E 200 (quatro cilindros e 2,0 litros, potência de 136 cv e torque de 19,4 m.kgf), E 200 K (o mesmo com compressor, 192 cv e 27,5 m.kgf), E 230 (2,3 litros, 150 cv e 22,4 m.kgf) e E 320 (seis cilindros em linha, 3,2 litros, 220 cv e 32 m.kgf). Os de 2,0 litros atendiam a mercados como Itália, Portugal e Turquia, com alta tributação para maior cilindrada. A linha a diesel tinha o E 220 Diesel (quatro cilindros, 2,2 litros, 95 cv e 15,3 m.kgf), o E 250 Diesel (cinco cilindros, 2,5 litros, 113 cv e 17,3 m.kgf) e o E 300 Diesel (seis cilindros, 3,0 litros, 136 cv e 21,4 m.kgf).
O Classe E oferecia ampla variedade de motores de quatro, cinco, seis e oito cilindros; a perua Touring levava mais duas pessoas em bancos voltados para trás
Em setembro a linha crescia com as versões E 280 (seis cilindros, 2,8 litros, 204 cv e 27,5 m.kgf), E 420 (V8 de 4,2 litros, 279 cv e 40,8 m.kgf) e E 290 Turbodiesel (cinco cilindros, 2,9 litros, 129 cv e 30,6 m.kgf). Aparecia também o E 220 Diesel para táxi, com menor potência e apto a consumir biodiesel. De início foi mantida a transmissão automática de quatro marchas do W124, mas em 1996 vinha a nova cinco-marchas com controle eletrônico do Classe S. Havia opção pela tração integral 4Matic, em vez de apenas traseira. A suspensão dianteira tinha braços sobrepostos e a traseira era independente multibraço. A caixa de direção de pinhão e cremalheira, novidade no Classe E, era mais leve e precisa que a de esferas recirculantes do W124. Auxílios eletrônicos incluíam controle de estabilidade e tração.
Nos Estados Unidos, a revista Car and Driver deu ao E420 o primeiro lugar em confronto a BMW 540i, Infiniti Q45T e Lexus LS 400: “Suas dimensões são como as do BMW, mas com espaço para passageiros e bagagem bem maior. Ele é o carro mais leve aqui, alcança a maior aceleração lateral e, junto ao BMW, as melhores frenagens. Você se envolve com o Mercedes: o banco é firme, o interior tem madeira genuína aqui e ali. Este rápido e estável sedã V8 serve a variados interesses”.
A primeira versão de alto desempenho era lançada em 1996: a E36 AMG, desenvolvida pela “preparadora de casa” da marca, que em 1993 havia feito seu primeiro trabalho para venda nas concessionárias Mercedes, o C36 AMG. O motor de seis cilindros em linha e 3,6 litros produzia 280 cv e 39,3 m.kgf, o bastante para acelerar de 0 a 100 km/h em 6,7 segundos e alcançar velocidade máxima de 250 km/h (limite eletrônico). No ano seguinte chegava o E50 AMG com um V8 de 5,0 litros, 347 cv e 49,1 m.kgf, apto a 0-100 em 6,2 s.
Depois do E36 e do E50, a preparadora AMG colocou um V8 de 354 cv sob o capô do E55 AMG, que acelerava mais que Ferrari e Corvette: 0 a 100 em 5,4 segundos
Os motores de seis cilindros em linha não ficaram muito tempo no W210: março de 1997 trazia novos V6 de 2,8 litros (204 cv e 28 m.kgf) no E 280 e 3,2 litros (224 cv e 32 m.kgf) no E 320, com três válvulas por cilindro, solução que a Mercedes julgava ideal. Também novo era o E 300 Turbodiesel com seis cilindros, 3,0 litros, 177 cv e 33,6 m.kgf. Outras novidades eram assistência adicional em frenagens de emergência (BAS), bolsas infláveis laterais dianteiras de série e indicador de manutenção com intervalo variável conforme as condições de uso.
Mais motores apareciam na linha 1998. O E 230 dava lugar ao E 240 com um V6 de 2,4 litros (170 cv e 23 m.kgf), enquanto o E 420 cedia espaço ao E 430 de 4,3 litros, com potência e torque inalterados. Na série AMG o E50 era substituído pelo E55 AMG: agora com 5,4 litros, o V8 desenvolvia 354 cv e 54 m.kgf, suficientes para 0-100 em 5,4 s, mantendo o limite de velocidade máxima. Rodas de 18 polegadas com pneus mais largos (265/35) na traseira, defletor dianteiro e saias laterais conferiam uma sutil esportividade ao sedã e à perua. Alguns saíram com tração integral.
Em comparativo do E55 ao Jaguar XJR, a revista Road & Track constatou que ambos aceleravam até 96 km/h mais rápido que um Ferrari F355 ou um Chevrolet Corvette e que no slalom, desvio entre cones, o AMG superava Dodge Viper e Porsche 911. “Além dos números, o Mercedes tem um rodar firme e excelente aderência, mas a traseira pode sair com o ângulo que você quiser… Tudo inspira muita confiança”. Ele foi melhor que o Jaguar em motor, freios, qualidade de construção e porta-malas, perdendo em conforto de rodagem e estilo interno.
A mudança dos motores de seis cilindros em linha para V6 permitiu rebaixar a frente no modelo 2000, que também ganhava itens de segurança e conveniência
Sob encomenda a AMG fornecia um E60 como o da geração anterior, com o V8 ampliado para 6,0 litros (381 cv e 59,2 m.kgf) para 0-100 em 5,1 s. Até uma variação com 6,3 litros (405 cv e 62,8 m.kgf), capaz de 0-100 em 5 s, foi feita em pequena quantidade. Um novo turbodiesel de 2,15 litros com injeção eletrônica de duto único chegava em junho de 1998 para o E 200 CDI (102 cv e 24 m.kgf) e o E 220 CDI (125 cv e 30,6 m.kgf).
As maiores alterações para esse Classe E vinham na linha 2000: frente mais baixa (impossível com os antigos seis-em-linha), novos para-choques, retrovisores com luzes de direção por leds, mudanças em lanternas traseiras (no sedã) e quinta porta (na perua). Ao lado de formas mais suaves, o interior ganhava tela maior para o sistema de áudio com navegador, bancos dianteiros com ventilação, comando manual para a caixa automática, controles de áudio e telefone no volante e mostrador multifunção no quadro de instrumentos.
Cortinas infláveis e controle de estabilidade de série ampliavam a segurança. A tração integral chegava às versões V8 e havia seis marchas na caixa manual. Nos motores, a série turbodiesel ganhava o E 270 CDI de cinco cilindros (2,7 litros, 170 cv e 37,7 m.kgf) e o E 320 CDI de seis (3,2 litros, 197 cv e 48 m.kgf). Os CDI de 2,15 litros ganhavam potência e o E 240 a gasolina passava a 2,6 litros para crescer em torque (24,5 m.kgf).
O E55 AMG (foto maior) também recebeu as alterações de estilo; embaixo, o Classe E alongado com seis portas da Binz e a transformação em carro fúnebre da Rappold
A Mercedes ofereceu versões blindadas do W210, chamadas de Guard. A proteção de fábrica vinha em dois níveis de resistência: B4, para versões de seis e oito cilindros, e B6, apenas para o V8. Outra opção era o chassi com cabine dianteira e entre-eixos alongado em 74 centímetros, usado por empresas especializadas para ambulâncias e carros fúnebres. A família real tailandesa adquiriu em 1996 um E 320 com 97 cm adicionais entre eixos, seis portas e três filas de bancos — versão que a empresa Binz passou a oferecer ao mercado, com alternativa por quatro portas.
Essa fase do Classe E foi produzida até 2002 como sedã e mais um ano como perua, em total de mais de 1,6 milhão de unidades entre as fábricas de Sindelfingen, Rastatt (Alemanha) e Graz (Áustria, onde a parceira Magna Steyr fazia versões 4Matic). O sucessor de código W211 manteve sua característica mais marcante: os quatro faróis ovalados. Outros Mercedes do período também a receberam, como o CLK de 1997, o SL de 2001 e, reinterpretada com a forma de um violão, o Classe C de 2000.
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